quinta-feira, 25 de novembro de 2010

        
          O trabalho de Capoeira Angola da ACESA, na escola municipal de ensino fundamental, Rubem Costa Lima, vem se desenvolvendo desde o início do ano letivo de 2010, sob o regime de voluntariado, sendo coordenado pelo Treinel Ricardo Avelar. Alguns resultados parciais foram obtidos como a aquisição por parte dos meninos de uma gama de posturas corporais básicas, assim como um repertório de cantigas, todos relacionados a questões que remetem tanto a história dos povos de matriz africana no Brasil, como suas formas de pensar o mundo e produzir conhecimento.


            Outro resultado foi a realização do I Seminário de Capoeira Angola e Educação de Macacos, realizado na escola, com a presença do Mestre João Angoleiro (Mestre da ACESA), da Secretária de Educação de Nova Lima, Ângela Lima e sua equipe, do Instituto Kairós, artistas, pessoas da comunidade, outros membros da ACESA e o corpo docente da escola. O evento proporcionou um contato entre o Mestre e as crianças da escola, estreitando as relações entre a Associação Cultural Eu Sou Angoleiro, Escola Municipal de Ensino Fundamental Rubem Costa Lima e Secretaria de Educação do município de Nova Lima. O encontro gerou ainda uma série de reflexões sobre as possibilidades de ensino aprendizagem de elementos da cultura de matriz africana no currículo escolar.


          Momento de depoimentos que relacionavam militância política e prática educativa, a roda de conversa apontou para um estreitamento de relações entre as entidades presentes em prol da implementação da lei na escola, sendo um momento de reflexão e prática, de musicalidade, contação de história, canto, expressão corporal. Para Teixeira, referindo-se a uma outra roda de conversa no mesmo formato (2010,p.92):

o que se torna explícito neste formato de mesa redonda, que eles costumam chamar de roda de conversa é a manifestação de uma tradição de motriz[1] africana que não dissocia da fala o corpo, do corpo o canto, do canto o toque e que se dá através do contato direto entre Mestre-discípulo.Trata-se de um lugar onde se valoriza a memória e a escuta como fontes de sabedoria.


             Após alguns séculos de descaso com relação à cultura trazida pelos africanos para o Brasil, a lei 11.645 se apresenta como uma iniciativa que obriga a partir de então todo estabelecimento de ensino fundamental a mostrar as contribuições de todas as matrizes culturais que formaram a sociedade brasileira. Contudo, uma questão prática deve ser levantada com relação a implementação da lei: se não é na escola que ficaram guardados os saberes destes povos, assim como sua história, onde deve-se buscar a referência para a aprendizagem e valorização dessa cultura?

          
          Este é um desafio que se apresenta aos atuais educadores, nas escolas. Por outro lado, as comunidades em geral, nos mais diversos pontos do país, mantém nas suas tradições populares as práticas de danças, cantos, histórias (e mais ainda, de uma forma de se portar no mundo), que apontam as pistas para o caminho a ser percorrido, quando se pretende compartilhar das culturas de matriz africana e indígena. 

              
              O trabalho da Capoeira Angola na escola municipal de Macacos traz um conhecimento popular para dentro do currículo, dialogando com as disciplinas da escola, experimentando a implementação da lei em questão, num processo de construção de nova metodologia que pretende aliar conhecimentos populares e formais para a formação educacional de pessoas que terão um comportamento social pautado na equidade racial.

Carmem Pricila

[1] Dialogo com o pensamento de Zeca Ligiero que usa o termo motriz no lugar de matriz como forma de fugir a uma nostalgia de um paraíso perdido e que ressalta o aspecto de potência criadora mobilizada pelas forças ancestrais.

sábado, 13 de novembro de 2010

Em 2004, fiz um curso de formação em educação social, com Tião Rocha, antropólogo e fundador do CPCD, Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento. Esse curso foi oferecido a mim pela ONG. Corpo Cidadão. Na época eu trabalhava na Associação Querubins, dando aulas de capoeira angola para crianças e adolescentes da Vila Acaba Mundo na zona sul de Belo Horizonte. Era a primeira vez que eu trabalhava junto a uma instituição.
Dentre tudo o que aconteceu nos trinta dias em que ficamos juntos, a prática mais usada foi a da bolinha. Nada muito complicado, a bolinha simplesmente representava a voz.
Na vivência que tivemos de uma semana no CPCD na cidade de Curvelo, reparei que o uso da bolinha era bem administrado. Não havia tensão caso existissem conversas paralelas. É certo que o projeto em questão tinha vinte anos de existência e tanto a pratica da bolinha quanto várias outras foram criadas ou resgatadas e praticadas por muitos anos até chegarem na devida serenidade para lidar com os imprevistos.
Desde o fim do curso, vários companheiros educadores começaram a usar a bolinha em suas atividades. Os resultados eram e são os mais diversos, mas nunca vi a tranqüilidade da equipe do CPCD quando o planejado não dava certo.
Em março de 2010, retomei o trabalho na Vila Fazendinha, como membro da equipe da unidade Nossa Casa Integrada da ONG. Corpo Cidadão. Por várias questões não pude continuar o trabalho que estava sendo realizado com um determinado grupo de educandos há cerca de quatro anos. O trabalho foi retomado com crianças de seis a doze anos da Escola Municipal Vila Fazendinha. Essas crianças nunca haviam freqüentado um projeto fora da escola. Eles estavam muito agitados. No primeiro dia foi muito difícil organiza-los para podermos conversar.
Dividimos as turmas e com um número de educandos reduzidos em cada sala, cada educador expôs ou tentou expor suas propostas para o ano. Eu não consegui. Não havia escuta por parte das crianças. Nem mesmo os instrumentos da capoeira foram capazes de atrair a atenção deles.
Aquele talvez fosse um bom momento para tentar usar a bolinha com uma finalidade bem definida. Organizar a turma. Foi pensar nisso e lembrar de uma questão levantada pelo Tião: “Organização educa?”.  Mas naquele momento eu precisava de um mínimo de atenção dos educandos. Eu precisava de organização.
Pedi à minha filha algumas bolinhas de plástico que eu sabia que ela tinha.
            No dia seguinte, chegando ao projeto, reuni minha primeira turma em roda, como de costume. Antes que houvesse dispersão, me levantei e fui pro meio da roda dizendo que eu era mágico. Um deles me perguntou com um olhar desconfiado: “Que mágica cê faz?”.
          Digo que consigo tirar a minha voz de dentro de mim e coloca-la na bolinha e que eu só falaria quando tivesse a bolinha na minha mão.
Depois de algumas firulas, abracadabras e sinsalabins... a voz foi para bolinha. Com a bolinha na mão mostrei a eles que eu podia falar. Passei a bolinha para uma das crianças, falei, mas não saíram as palavras, fiz um grande teatro do mudo.
As crianças se empolgaram e depois de uma dezena de palavras mágicas, todas as vozes estavam na bolinha. Algumas crianças quiseram testar a mágica. Sem a bolinha eles falavam sem emitir palavras, já com a bolinha eles gritavam. Foi divertido e assim começamos a conversar em roda.
É claro que eu sabia que minha mágica não duraria para sempre. Por isso fizemos alguns combinados. O primeiro é que quando a bolinha estivesse no meio da roda a voz estaria com todos. O segundo é que de pouco em pouco em nossas conversas, mais bolinhas iriam aparecer, mais pessoas teriam a voz e quando todos tivessem a voz, a bolinha talvez não fosse mais necessária.
Com o tempo as conversas paralelas e os imprevistos começaram a acontecer e a cada dia voltava a ficar mais difícil a conversa.
Depois de uma noite mal dormida e com a paciência um pouco reduzida, decidi ter uma conversa séria com a turma. Sentamos em roda. Por estar muito sisudo, senti que as crianças ficaram apreensivas. Comecei a falar que tínhamos que entrar num acordo em relação à organização das aulas. No meio de minha fala, Marco Filipe, um educando de dez anos começou a falar junto comigo. O pontuei dizendo que a bolinha estava comigo e para minha surpresa ele tirou uma bolinha do bolso. Na verdade era um limão, mas era a voz dele.
Passei a observar as crianças e percebi que no que eles se propunham, eles se comunicavam na medida certa, às vezes agitados, às vezes agressivos, às vezes serenos, outras vezes dispersos, mas a necessidade de uma organização, naquele momento era minha, não deles.

Ricardo Avelar

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Numa dessas chuvosas manhãs da primavera mineira, fomos como de costume  capoeirar na escola municipal de Macacos com as crianças do 3º ano. Atentei para o fato de que uma das meninas que costumava mais gostar da vivência, a Fernanda, neste dia não queria participar e mantinha-se observando, sentada. A aula transcorreu como de costume entre gingas e rabos de arraia mirim. Entre sorrisos e descobertas, tomadas de responsabilidade com o próprio corpo e o corpo do colega, alguns meninos conseguem um desempenho mais proveitoso, respectivamente conforme o grau de concentração de cada um.
Neste dia, o Igor, parecia mais agitado do que o normal, pulando, correndo, para só de vez em quando “aterrissar” na proposta da capoeira. O menino conseguiu contagiar parte da turma e num dado momento apenas metade das crianças conseguia executar o movimento proposto, enquanto a outra metade se entregava aos deleites das brincadeiras infantis.  
Quando quase no fim da aula lançamos uma proposta de pesquisa para os pequenos, com o tema da influência cultural da África na cultura brasileira, todos se mobilizaram e até a Fernanda que tinha ficado distanciada se integrou e compôs uma equipe. Eles pareciam eufóricos com a idéia do trabalho.
Antes de finalizar a aula, porém, o mistério da Fernanda não querer participar desde o início se revelou: ela explicou que não suportava o Igor e que não queria treinar com ele de jeito nenhum! Lembrei do Saint-Exupéry e citei aquela frase de que para enxergar as borboletas precisamos suportar as lagartas, arrematei falando das roseiras e suas exuberantes rosas perfumosas, acompanhadas de espinhos cortantes e contraditórios na composição geral da planta. Fernanda, na metade da minha fala já parecia meio entediada, como que a reclamar de um excesso de açúcar no meu discurso. Contudo, uma terceira pequerrucha, a Ana Tereza, levantou a mão e disse se dirigindo ao Ricardo:
Fessorrrr, quando eu morava em Berrrlândia,eu quis pegar uma rosa, então eu tirei os espinhos dela para não me machucar e fiquei com a rosa.
Ver o mundo com olhos de inocência... e a gente procurando conviver com as diferenças.

Axé!    

Carmem P.