domingo, 1 de maio de 2011

Em dois meses, muito se trabalha

Voltamos às aulas ainda sem coordenador.  Fernanda e Márcia disseram que iam se revesar no nosso acompanhamento.  Mesmo assim um clima de desconfiança com relação a não continuidade dos tumultos de 2010.
Havia uma proposta entre os educadores de transformação, principalmente com relação à roda de acolhimento.  Logo no inicio do ano, Fernanda levou o Rogério para visitar o projeto.  Foi uma boa visita, pudemos registrar várias brincadeiras e decidimos começar as rodas sempre assim, brincando.  Passamos a receber aos educandos com cantigas como Periquito Maracanã já na porta do projeto.  Percebemos com isso que não havia espaço para tumultos.  Todos começam a cantar já na porta e a própria cantiga monta a roda.  A roda de capoeira durante as rodas de acolhimento já está introjetada no grupo, no som do berimbau a roda se forma.  Apareceu também uma contação de histórias de terror, o que pra mim foi especial já que me lembrei de alguns contos de assombração passados a mim pela minha avó.  Agora o ponto principal para as coisas começarem a melhorar foi não se preocupar tanto com a participação de todos na roda.

Jacaré Boiô
A Raposa
Trilha sonora das brincadeiras
A eterna Caveira
      Outro ponto fundamental para que o dia tenha se tornado agradável e as aulas produtivas, principalmente as do segundo horário dos dois turnos, foi com certeza o lanche entre as aulas.

Comer junto é bão
Uma das lições da capoeira é o zelo pelo espaço, sendo assim no inicio de cada aula, nada de moleza, cada um limpa um pouquinho. 
Retomamos os treinos relembrando as bases e as movimentações mais primarias.

Jogo de mão
Ginga
Postura básica
          Porém, antes de retomarmos a parte técnica, no primeiro dia perguntamos aos educandos o que eles esperavam das aulas de Capoeira Angola em 2011:

- O Eric e o Renildo disseram prontamente não saber.
- Cauã diz animado que quer ficar forte, quer apresentar e quer que o grupo se fortaleça.
- Alice Miranda diz querer aprender a brincar.
- O Jeferson diz que quer o almoço.

Falamos um pouco sobre o tema memória.  Fizemos um ping-pong com a palavra memória.  O que viria na cabeça dos educandos no momento em que escutassem essa palavra, a primeira coisa.  As respostas, as mais variadas: memória é o nosso corpo, é de pensar, é de lembrar, não esquecer, serve pra estudar, é um jogo, para trabalhar, pra saber onde estão as coisas escondidas.
Recebemos a noticia que Rogério seria nosso novo coordenador.
Dentro de nossas intenções no trabalho da memória, imaginamos trabalhar alguns textos com os educandos, para entrar nesse universo literário, começamos pelas vogais, aí a primeira descoberta à maior parte deles não sabia o que eram as vogais.  Vários deram como exemplos consoantes.  A segunda dificuldade foi localizar essas vogais no próprio nome.  Isso também sendo resolvido, começamos a cantar nossas vogais num ritmo indígena, dançando por toda a sala marcando o ritmo com passos firmes no chão. 
Marcando o passo 
Tivemos então a idéia de trabalhar a escrita e um intercambio com os educandos de Capoeira Angola de Macacos, da E.M.Rubem Costa Lima, criamos então o correio angoleiro.  A primeira parte foi apresentar a idéia.
No Nossa Casa (NC), começamos com as turmas de capoeira.  A primeira turma aceitou a proposta muito bem, assim com as turmas da tarde.  Apenas a segunda turma não fez a atividade por uma questão de tempo.  Ainda estamos com uma certa dificuldade com a divisão dos horários no turno da manhã.
Uma primeira constatação com relação aos educandos do NC é a dificuldade na escrita.  A maior parte dos educandos apresentou muita dificuldade em escrever, tendo até mesmo alguns que só conseguiram fazer com a ajuda ou dos educadores ou de educandos mais preparados nesse sentido. 
Outro fato que constatamos é que vários educandos negros, não se identificam como tal, caso do Wendel que preencheu o rascunho do perfil assim: “Eu sou ato sou: moreno eu teio anos 11 eu gosto de namora”.
Quando pensamos em letramento, não estamos pensando apenas no ato de escrever ou ler, mas também na capacidade de transmitir idéias através da palavra escrita.  Algumas surpresas sempre aparecem como o Alexsander de 11 anos, garoto que praticamente não faz oficina alguma, vive calado, no canto dele e quando aparece é sempre metido em alguma confusão.  Na hora de escrever além de formular muito bem os pensamentos enquanto escrita, praticamente não teve erros ortográficos. “Nome:  Alexsander, Idade: 11. Quem sou?  Sou magro moreno cabelo curto alto eu gosto de futebol de musica capoeira de brincar de pega-pega é esconde esconde e varias brincadeiras legais beijos...”
As inseguranças foram ditas com enorme tranqüilidade, mesmo eles sabendo que no fim aquele material seria divulgado para pessoas que eles não conhecem.  O Erick de 12 anos escreveu, por exemplo, no item gostos. “ Gosto de futebou, não sou guei, eu me entendo com as pessoas. fim.” Embaixo disso ele, um garoto negro, desenha um garoto branco que ele diz ser ele.
A auto-estima daqueles cujo lar possui uma estrutura que prima pelo afeto fica muito evidente, Ana Luiza Miranda de 8 anos se descreve assim. “Sou meia alta uso óculos tenho cabelo grande e preto e sou linda.”
Os mais novos, demonstram muita dificuldade, na formação das palavras, na transmissão das idéias e na organização da escrita no papel.  Maycon Gonçalves de 7 anos por exemplo escreveu todo seu texto como se fosse uma única palavra.  “Maycongonçalves idade 7 anos olatudobei Quem sou baixosougordinhosou  um menino eogostodebrinca r de esqueite.”  Os espaços entre as palavras que coloquei são na verdade o limite da linha de escrita dele.
Dada as dificuldades já apresentadas, alguns com domínio do letramento em si fizeram copias do exemplo que Carmem deu com sua ficha.
Alice Miranda de 7 anos, além de desenvolver bem a escrita e o pensamento na forma de escrita, ainda se dispôs a ajudar vários de sua turma e parou no Renildo também de 7 anos que com muita dificuldade escreveu apenas “Renildo”.
O rascunho do perfil dentro da Ruben Costa Lima (RCL) foi muito divertido.  Toda a escola abraçou a idéia do correio com muita vontade.  Ana Cristina, professora do quarto ano disse que iria confeccionar a caixa de correio assim como os envelopes junto com os educandos.  As crianças da RCL apresentam um letramento muito mais avançado em todos os sentidos do que os educandos do NC.  O que aponta certas contradições: A estrutura física e de instrumentos da RCL é consideravelmente menor que da Escola Vila Fazendinha, que atende as crianças da NC.  Outro ponto é o nível de articulação dos educadores das escolas.  Os responsáveis pelo trabalho da RCL possuem uma formação bem mais modesta que os educadores da Vila Fazendinha.  A maior parte dos pais de educandos da RCL não possui letramento o que mostra que a escola realmente se preocupou com esse conteúdo. 
Perfis
            Encerrando o mês de março, marcamos a primeira roda de Capoeira Angola do ano.  À tarde que antecedia a roda havia sido marcado uma reunião que ao invés de teorizarmos, resolvemos fazer.  Pintamos parte do espaço.

Da desordem nasce o belo

Até o Wesley apareceu
Aí veio o temporal... que durou e durou...

A noite chegou e a luz do morro apagou, víamos de longe apenas as luzes do asfalto
E com luz de velas, cumprimos nosso compromisso
           Um dia familiar, pais, mães, irmãos, primos, gente que já esteve e gente que ainda está.  Alice Miranda não havia ido à aula pela manhã, estava com bronquite.  A noite, com a falta de luz, ela diz a mãe “Vamos pra capoeira, lá vai tá melhor.” (Relato da mãe).  Com o peito chiando, ela já entra na roda com toda a alegria.
Todos levaram algum alimento para partilhar no final. 
Resistência...Axé!!!
 Ricardo Avelar